segunda-feira, 22 de novembro de 2010

GRAMÁTICA E TEMPO


Todo pretérito é imperfeito.
Todo futuro é mais que perfeito.
Até que se torna presente...


16/11/2010

Alex Bohrer

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

OS CONTOS QUE VOVÓ CONTAVA

Da minha infância, o que eu guardo com mais carinho são as histórias que minha avó contava. Na meninice em Rodrigo Silva, terra natal de minha família, ou nos dez anos em que morou conosco em Cachoeira, vovó “Tote” tinha sempre um “causo” pra contar. Efigênia Pereira Fernandes era filha do conhecido José Pereira, português de nascimento que presidiu a Banda Santa Cecília por vários anos, e da Dona “Tiló”, mineira da gema, de quem com certeza deve ter herdado muitas das histórias que sabia narrar como ninguém.

Nas terríveis noites de tempestade em Rodrigo Silva ou em Cachoeira, quando a luz acabava, a tv ou o rádio cediam sempre lugar para seus contos. À luz trêmula das velas, os netos se reuniam em volta dela. As assombrações de suas histórias tomavam formas fantásticas em nossas cabeças de criança. As sombras incertas nas paredes viravam lobisomens, mulas-sem-cabeça, seres fantasmagóricos animados pela penumbra. E assim crescemos animados por este último suspiro da tradição dos contos da vovó. Hoje os entretenimentos virtuais privam os pequenos do contato único com este mundo mágico que minha avó pintava-nos com maestria.

Do seu marido, meu avô, Alberto Fernandes - dos Fernandes de Rodrigo Silva, como gostavam de salientar, talvez diferenciando-os dos de Cachoeira - lembro que era um homem muito alto, um pouco desajeitado, e misterioso, sempre misterioso. Vivia no seu quarto, em meio às suas tranqueiras (que não eram poucas), nunca saia de casa. Lembro-me sempre dele sentado cabisbaixo em uma grande pedra de amolar que ficava no terreiro. Quando chegávamos na sua casa, eu corria ao seu quarto para tomar-lhe bença: “Deus abençoa”, era a resposta dada com um leve aperto de mão. Na hora do almoço, lá vinha ele, se abaixando para não bater a cabeça na porta. Comia sempre numa velha cuia, lembrança dos tempos em que era um conhecido tropeiro a serviço de seus próprios negócios e, antes, a serviço dos de seu pai, Alfredo Fernandes, senhor das terras da famosa Fazenda do Fundão e que foi um dos pioneiros de Rodrigo Silva - que na época nem se chamava Rodrigo Silva, mas sim José Correia (Rodrigo Silva era o nome de um dos ministros de D.Pedro II que acompanhava o Imperador quando este inaugurou a Estação Ferroviária de José Correia em 1 de janeiro de 1888). Meu avô faleceu em 1986 sem que soubéssemos ao certo a sua idade verdadeira. Seu registro foi feito em 1909, mas era comum as crianças das fazendas crescerem sem pisarem num cartório. O registro civil ainda era visto com olhos desconfiados: “coisa da tal da república”... Muitas das histórias de minha avó tinham meu avô como protagonista: sua fama de curandeiro e benzedor o fizeram objeto de muitas lendas e causos até hoje correntes em Rodrigo Silva.

E assim eu fui crescendo. O olhar atencioso de vovó nunca se afastava de nós. Um dia a saudade foi maior e ela quis voltar para Rodrigo Silva, sua terra querida. Os netos já estavam crescidos. Sentiu que sua missão havia terminado. E como a brisa leve que passa pelos campos assim também minha avó passou pela vida: calma, leve, pequena. Até o fim da vida manteve a brandura do seu sorriso alegre e sem dentes, que a tantos cativou. No rosto já lhe vinha a marca dos anos, mas sua memória invejável a remetia em corrida pelos campos de Rodrigo Silva, por entre as flores que só lá nascem, nos tempos em que ouvia também de sua avó e de sua mãe as histórias que embalaram a minha infância.

No dia 6 de novembro de 1998, 6 dias antes de completar 80 anos, uma multidão acompanhou D. “Tote” à sua última morada, o pequeno cemitério localizado no alto da serra, de onde a vista domina a pequena Rodrigo Silva, com suas casinhas, a igreja de S. Antônio, a Estação e a linha de ferro, lá embaixo. Ali, no silêncio do Campo Santo, repousa no mesmo túmulo de seu marido.

Alex Bohrer
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O MONSTRO DO PÉ-DE-BEIJO

Era um homem baixinho, narigudo, risonho. Seu nome era Antônio, mas o chamavam só de Nico. Trabalhava na Central do Brasil, fiscalizando a estrada de ferro nas proximidades de Rodrigo Silva. Ele ia todos os dias verificar a “linha” desde o 19 até o 22 (a quilometragem dada pelos primeiros ferroviários foi adotada pelo povo de Rodrigo Silva que batizou com números o nome de vários lugares. Assim temos a quarta, o 19, o 22, etc).

Ele era, além disso, um homem teimoso. Uma temusura só. De vez em quando cismava de ir verificar os trilhos e os dormentes lá pelos lados do 22, altas horas da noite. Ia sob os protestos da sua mãe, dona Tiló:

__ Não fica andando de noite menino! Essa linha tá cheia de assombração!

Um encolher de ombros era a resposta. Ele ia sim! E de noite! Era um homem de responsabilidades. O trem das dez e meia tinha de passar sem risco. Qualquer imprevisto ia ser culpa dele.

Então, num desses dias de lua cheia, lá foi Nico, cantarolando e assobiando, pro 22. Deixou Rodrigo Silva pra traz e entrou na “linha”. Foi brincando de contar os dormentes, para não pensar nas palavras de sua mãe. Passou assim pelo Vasconcelos, com suas casinhas tristes. Viu de lá a grande cruz do Morro da Guerra, banhada pela luz da lua cheia. “Muita gente morreu ali, na guerra” pensou. E mais que depressa fez um Em Nome do Pai e apertou o passo. Era uma noite fria, daquelas que a ventania fica assobiando nos morros. Um assobio assustador. Era quase um uivo. Mais um Em Nome do Pai...

Ali perto tinha um grande pé-de-beijo. Diziam os antigos que ele era amaldiçoado. Mas ninguém sabia explicar por quê. Na verdade era uma bela árvore, mas naquele dia alguma coisa tava errado com ela. Alguma coisa tava balançando seus galhos e tava fazendo um grunhido muito esquisito. “Deve ser algum desocupado me fazendo medo, vou ver o que é”. Aproximou-se. Viu uma coisa enorme deitada. Pensou que fosse uma vaca doente. Encostou a mão nela, só para ajudar. O que era levantou a cabeça e...espanto! Subiu-lhe um calafrio no pescoço. Levou a mão na boca e se afastou de costas até tropeçar no trilho. Era um monstro, um monstro horrível. Era um lobisomem!

Os lobisomens de Rodrigo Silva eram diferentes dos outros. Não pareciam lobo. Pareciam porco! E este era grande, muito grande. Esbugalhava uns olhos redondos, cor de brasa. Soltava fumaça nas narinas. Nico olhou para suas patas e confirmou. Não era porco mesmo. “Era um lobisomo do outro mundo”. As patas destes seres têm um finco em baixo do casco. Por isso suas pegadas tem um furo no meio. Tentou correr, mas o monstro prendeu sua camisa com os dentes. E começou-lhe a pisar, levantando poeira e soltando uns berros horríveis. Nico tentava se defender, mas era impossível. Tampou os olhos com as mãos e rezou. Aí então houve silêncio. Levantou-se aos poucos. Não tinha mais nada. O pé-de-beijo estava calmo. Só uma brisa farfalhava suas flores. Nico saiu correndo. Pernas bambas. Ofegante. Chegou em casa com as roupas aos trapos.

No outro dia tava todo mundo falando do tal do monstro do pé-de-beijo. Os mais velhos não tinham dúvida. O monstro era um rapaz que há muitos anos morrera apaixonado por uma bela moça que pretendia desposar. O pai dela não permitiu o casório. E desde então ficava ali, por algum encanto do outro mundo, uivando com a lua cheia. Chorava sua amada na forma de um horrível monstro. Sempre no pé-de-beijo. As flores preferidas de sua amada.

Alex Bohrer
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RODRIGO SILVA

No dia 1° de janeiro de 1888 o céu azul iluminou a singela estaçãozinha ferroviária do lugar. Todas as construções do complexo ferroviário cheiravam tinta fresca, iriam ser inauguradas naquele dia por um visitante ilustre. A grande locomotiva cuspiu fumaça e fogo no alto da serra. O vagão luxuoso aportou no patamar da estação. O velhinho de cartola e barba branca, que desceu logo em seguida, despertou vivas na multidão de ferroviários, que por anos a fio trabalharam na execução daquela obra gigantesca. O velhinho de barbas brancas era o Imperador D.Pedro II, sua missão naquele dia era inaugurar o complexo ferroviário de Rodrigo Silva, construído sobre as velhas fazendas da antiga José Correia. Pouca gente conhece esta cena ou já ouviu falar nisso, mas assim nasceu oficialmente Rodrigo Silva.

Os primeiros registros relativos ao local denominado José Correia sempre estão ligados à Santa Quitéria do Alto da Boa Vista, antiga paragem colonial, hoje abandonada, nas proximidades de Rodrigo Silva. A mineração de topázio sempre esteve presente na história do lugar. Viajantes estrangeiros já registravam a exploração de topázio no início do século XIX. Algumas destas lavras de topázio eram gigantescas empregando centenas de escravos. Até a chegada dos ferroviários, José Correia compunha-se de fazendas espalhadas por léguas de distância. A mais famosa delas é a Fazenda do Fundão, ainda existente. Nesta fazenda nasceu, em 1870, Alfredo Fernandes dos Prazeres personagem importante na construção da nova cidadezinha ferroviária. Quando no começo da década de 1880 fez-se o projeto da estrada de ferro ligando o Rio de Janeiro à Ouro Preto, projetou-se também uma nova paragem a se estabelecer em José Correia, que teria seu nome mudado para Rodrigo Silva em homenagem a um ministro imperial. O complexo ferroviário inaugurado em 1888 em volta da estação estendeu-se posteriormente de um lado a outro, paralelo à estrada de ferro. Alfredo Fernandes estabeleceu em Rodrigo Silva casas de comércio e doou o madeiramento para a construção da Igreja de Santo Antônio, padroeiro do lugar. As mercadorias chegadas na estação eram então distribuídas pela região, por vários tropeiros a serviço do jovem fazendeiro.

No começo do século XX fundou-se a Sociedade Musical Santa Cecília de Rodrigo Silva, símbolo primeiro da cultura desenvolvida pelos ferroviários. No arquivo desta banda encontram-se composições feitas pelos ferroviários, demonstração de grande apuro musical. Hoje nos trilhos de Rodrigo Silva não passam mais trens, mas a cultura do topázio continua, com a exploração do famoso topázio imperial, único do mundo. 

Alex Bohrer
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sábado, 8 de maio de 2010

RODRIGO JOSÉ FERREIRA BRETAS

Você já ouviu falar em Rodrigo José Ferreira Bretas? Não?! Então nunca ouviu falar de uma das maiores personalidades mineiras do século XIX, o imortal biógrafo do Aleijadinho. Rodrigo J. F. Bretas nasceu em Cachoeira do Campo em 1815. Entre 1820 e 1839 alfabetiza-se e forma-se em humanidades nos Colégios do Caraça e Congonhas do Campo. Entre 1839 e 1844 leciona latim, filosofia e retórica em Barra Longa, Barbacena e Ouro Preto, além de ter sido nomeado Promotor Interino da Comarca. Em 1845 casa-se com Maria Cândida de Souza Maciel. Entre 1846 e 1849 funda e dirige um colégio em Bonfim do Paraopeba. Em 1850 é nomeado Oficial Maior da Secretaria do Governo da Província. Em 1852 é eleito deputado provincial, o primeiro de quatro mandatos. Em 1854 publica um livro sobre as origens das idéias do espírito humano. Em 1855 é agraciado com a nomeação de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa. Em 1859 instala a Biblioteca Pública de Ouro Preto. Em 1861 é nomeado Inspetor da Instrução Pública em Ouro Preto e em 1862 assume da direção do Colégio de Congonhas. Além de professor e político Rodrigo Bretas foi um iminente inventor, criando e aperfeiçoando um novo e prático tear mecânico. Faleceu em 27 de agosto de 1866.

Em 1858 Bretas concluiu sua obra mais famosa: a primeira biografia do Aleijadinho, o que lhe valeu a eleição de sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Nesta biografia Bretas resgata para a posteridade a vida e as obras do famoso Mestre do Barroco Mineiro. Valeu-se de documentos e de entrevistas realizadas com idosos que haviam conhecido o Aleijadinho em vida, entre eles Joana, a nora do escultor. Por tudo isso Rodrigo Bretas é justamente reconhecido com um dos maiores vultos mineiros do século XIX e, sem dúvida, um dos mais importantes filhos de Cachoeira.

Alex Bohrer
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Amarantina

Cresceu a cidadezinha aos pés da velha capela que mais tarde os féis transformariam em uma grande igreja, com duas torres imponentes. Insiste a lenda em dizer que a atual igreja, que no século XIX substituiu a antiga capelinha, é réplica em menor tamanho da Igreja de São Gonçalo do Amarante, em Portugal. Vinte anos atrás sua capela-mor foi, infelizmente, destruída. A imagem original do santo também se perdeu. Conserva hoje em seu interior, de interesse artístico, dois altares em estilo D João V, simplificados, e um curioso chafariz em cantaria.

Pouco distante da igreja encontram-se as ruínas de uma imensa casa construída de pedra. Atribui a tradição popular que o casarão foi construído pelos primeiros bandeirantes que lá chegaram nos idos do século XVII. Parece realmente, pela análise estrutural, que se trata de construção muito antiga. Porém não foram encontrados documentos acerca da verdadeira origem da ‘Casa Bandeirista’ e, nem tampouco, da própria Amarantina. Acredita-se que o povoado tenha surgido em meados do XVIII quando a produção agrícola de Cachoeira entrou em seu apogeu, reservando para os agricultores da baixada o plantio de alguns produtos especiais cujo terreno encharcado era propício - como o alho, por exemplo. Esta baixada, porque estava constantemente inundada pelas águas do Rio Maracujá, recebeu o nome de Tijuco. Posteriormente São Gonçalo do Tijuco, em homenagem ao santo vindo de Portugal. Coexistiu daí em diante com a denominação de São Gonçalo do Amarante, em lembrança da cidade de origem da imagem. No século XX, arbitrariamente, mudaram-lhe o nome para Amarantina.

Alex Bohrer
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terça-feira, 27 de abril de 2010

O Sino - II

Ó, Ave Maria! Pai Nosso!

Escutem: Rezam-se murmúrios.
Olhem: Lamentos chorosos.
Parem: ali segue o cortejo.
Sintam: vai à ultima morada.

Entre telhados úmidos e tímidos
Entre sacadas puras e frias
Entre portas fechadas e sem cor
Entre mil grades e cruzes

a neblina advinha a paisagem
a neblina embaça a paisagem
a neblina distorce a paisagem
a neblina esconde a paisagem

em montanhas de sonho e ouro.
em montanhas de sono e pedra.
em montanhas de pesadelo e mato.
em montanhas de morte e ferro.

Nesta cidade morta, que eu re-visito
Nesta cidade morta, que eu revisto
Nesta cidade morta, que eu resisto
Nesta cidade morta, que eu reviro

Do alto da velha torre, sob o céu cinzento
Do alto da velha torre, sob o céu de garoa
Do alto da velha torre, sob o céu lacrimoso
Do alto da velha torre, sob o céu tempestuoso

O sino balança o badalo


27/04/2010

Alex Bohrer
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domingo, 25 de abril de 2010

O Sino - I

Ó, Ave Maria! Pai Nosso!
Escutem: Rezam-se murmúrios.
Entre telhados úmidos e tímidos
a neblina advinha a paisagem
em montanhas de sonho e ouro.
Nesta cidade morta, que eu re-visito
Do alto da velha torre, sob o céu cinzento
O
Sino
Balança
Balança sino
Badala o Balanço
Sino balança badalo
Sino badala o balanço
O sino balança o badalo
Sino
Ó


Ó, Ave Maria! Pai Nosso!
  Olhem: Lamentos chorosos.
    Entre sacadas puras e frias
      a neblina embaça a paisagem
        em montanhas de sono e pedra.
          Nesta cidade morta, que eu revisto
            Do alto da velha torre, sob o céu de garoa
              O
                Sino
                 Balança
                   Balança sino
                      Badala o Balanço
                        Sino balança badalo
                          Sino badala o balanço
                            O sino balança o badalo
                        Sino
                          Ó


Ó, Ave Maria! Pai Nosso!
      Parem: ali segue o cortejo.
                Entre portas fechadas e sem cor
           a neblina distorce a paisagem
                 em montanhas de pesadelo e mato.
                 Nesta cidade morta, que eu resisto
                       Do alto da velha torre, sob o céu lacrimoso
                  O
                  Sino
                      Balança
                          Balança sino
                              Badala o Balanço
                               Sino balança badalo
                                  Sino badala o balanço
                                     O sino balança o badalo
                                   Sino
                                         Ó


Ó, Ave Maria! Pai Nosso!
            Sintam: vai à ultima morada.
             Entre mil grades e cruzes
                      a neblina esconde a paisagem
                            em montanhas de morte e ferro.
                            Nesta cidade morta, que eu reviro
                                 Do alto da velha torre, sob o céu tempestuoso
                                           O
                                              Sino
                                                  Balança
                                                      Balança sino
                                                        Badala o Balanço
                                                         Sino balança badalo
                                                            Sino badala o balanço
                                                                O sino balança o badalo
                                                                              Sino
                                                                                    Ó



Alex Bohrer
27/04/2010
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segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Ponte do Palácio Velho

No último quartel do XVIII, Vila Rica, a grande e bela urbe do século mineiro, tinha contornos distintivos de cidade (apesar de, oficialmente, não ostentar este título), com praças, chafarizes, ruas pavimentadas e, claro, pontes (agora não mais aquelas rústicas pontes de madeira ou toscamente construídas de pedra, mas pontes importantes, de cantaria, pontes - conforme o poema de Tomás Antônio Gonzaga - ‘formosas’!) Para alem do caráter prático, as pontes vilarriquenhas foram concebidas segundo delineamentos estéticos definidos, sendo elevadas a pontos de contato, convivência social, locais privilegiados de conversas ao ar livre e, não raro, flertes: como bem atestam os versos árcades de Gonzaga e os patamares de pedra que em várias delas servem de assento.

As antigas pontes ouro-pretanas dignas de nota são a do Rosário, a dos Contos, a de Marilia, a do Funil (que conduzia à Estação Ferroviária); a da Barra, sobre o Ribeirão Funil, datada de 1806; a do Padre Faria, erguida em 1750; a de Ouro Preto (ou do Pilar), edificada em 1757; a Ponte Seca, aterro que unia os fundos do Pilar ao Rosário; a do Palácio Velho, que ligava a Praça de Antônio Dias às encostas da Encardideira.

A Ponte da Encardideira (ou do Palácio Velho) era uma via de acesso que, da Igreja Matriz de Antônio Dias atingia as íngremes encostas auríferas, na base dos morros de Ouro Preto, encostas chamadas então de “encardideira”, local de muitas e riquíssimas minas d’ouro (entre elas as do lendário Chico Rei, monarca negro em terras Geralistas). A Ponte da Encardideira, arquitetonicamente menos elaborada que outras da antiga vila, tinha, contudo, papel importante quando a região era povoada de lavras às margens do Córrego Sobreira, cujo leito ela atravessa. Foi nas proximidades desta ponte (ou de alguma sua predecessora) que se ergueu o primitivo Palácio dos Governadores, construído bem antes do que dominou, a partir de meados do século XVIII, o Morro de Santa Quitéria.

É certo que desde os princípios do século XVIII fez-se necessário a construção de uma ponte naquele local estratégico, todavia esta ponte primitiva deveria ter a aparência de todas as outras do período: estrutura de madeira ou mista. Foi só a partir da terceira década do século XVIII que começaram a aparecer as primeiras sólidas pontes de pedra, caso, ao que parece, desta ponte que atualmente se vê sobre o Córrego Sobreira.

Alex Bohrer
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José Pereira Arouca

José Pereira Arouca foi o principal empreendedor e construtor que atuou na Cidade de Mariana. Nasceu por volta de 1733 na Freguesia de São Bartolomeu, Vila de Arouca, no Bispado de Lamego, Comarca do Porto, Portugal. Era filho legítimo de Manoel Pereira Flor e Mesia de Pinho Vieira. Como pedreiro e como administrador de obras de pedreiro e carpinteiro, enriqueceu nas Minas, tendo ao longo da vida adquirido cabedal considerável: quando morreu - solteiro, em 1795 - deixou mais de cinqüenta escravos! Era Irmão da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, estando sepultado na respectiva capela da Ordem. O foco de sua atividade foi, sem dúvida, a Cidade de Mariana. O Segundo Vereador de Mariana, no seu célebre relatório de 1790, afirma que José Pereira Arouca foi discípulo de José Pereira dos Santos.

Desempenhou trabalhos na Igreja de São Francisco de Assis (entre 1762 e 1797 construiu o corpo e as partes constituintes da referida igreja), Igreja de São Pedro dos Clérigos (em 1753, como fiador das obras), na Catedral (entre 1763 e 1789), Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1762), Igreja do Bom Jesus (no atual distrito de Furquim). Paralelamente à construção de templos, dedicou-se à obras públicas e privadas (alem de outras de caráter religioso): participou da construção e conserto de diversas pontes; em 1770 arrematou as obras da Casa Capitular; construiu e consertou diversos chafarizes (alem do reparo de um aqueduto); participou de várias obras no Palácio dos Bispos e no Seminário de Nossa Senhora do Boa Morte; atuou na Casa de Câmara e Cadeia (que, via de regra, é considerada obra sua); fez e reformou várias calçadas (alem de outras obras de infraestrutura); atuou também em uma exaustiva variedade de obras de menor vulto.

Em 1762 foi eleito Juiz do Ofício de Pedreiro (reeleito novamente em 1772 e 1774). Em 1764 foi eleito Juiz do Ofício de Carpinteiro. Em 1780 foi nomeado Porta Estandarte da Segunda Companhia do Primeiro Regimento Auxiliar de Mariana. Em 1780 era tesoureiro da Câmara de Mariana. Em 1781 tornou-se alferes. Em 1787 era Administrador da Renda das Aferições, por conta do Senado da Câmara. Por duas vezes se viu envolto pelas rédeas da justiça, tendo sido preso em 1768 e em 1793. Em 1782 foi encarregado de dirigir as obras da estrada entre Ouro Preto e Mariana, reconstruída a mando do governador de então, Dom Rodrigo José de Meneses.

Provavelmente alguns parentes de José Pereira Arouca atuaram em Mariana, em conjunto ou sob influência deste: Bernardo Pereira Arouca (pedreiro), Francisco Fernandes Arouca, Joaquim Arouca, Joaquim Pereira Arouca (os dois últimos nomes, ao que parece, se referem ao mesmo indivíduo).

José Pereira Arouca foi homem dos mais atuantes em Mariana no século XVIII. A marca de suas obras e de seu empreendedorismo se espalham pela cidade até os dias de hoje.

Alex Bohrer
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Manuel da Costa Ataíde: Arte e Música

Manuel da Costa Ataíde nasceu em Mariana em 1762, sendo batizado na Sé Catedral em 18 de outubro daquele ano. Na mesma igreja foi crismado em 16 de maio de 1780. Era filho legítimo do Alferes Luis da Costa Ataíde e de sua mulher Maria Barbosa de Abreu. Seguindo a carreira militar do pai (alferes era posto que hoje corresponderia a Segundo Tenente), em 1797 foi nomeado para exercer o cargo de Sargento das Ordenanças no Arraial do Bacalhau (atualmente um distrito de Piranga). Em 1799, no povoado de Mombaça (então Termo de Mariana), registrou a patente de alferes, mesma categoria de seu pai. Como militar atuou, pela mesma época, no Arraial de São Bartolomeu (atual distrito de Ouro Preto). Em 1809 lhe foi concedida a patente de Alferes da Companhia das Ordenanças do distrito de Soledade, que fazia parte do Termo de Vila Rica.

Paralelamente à sua carreira de militar, cultivou desde cedo o gosto pelas artes, especialmente a pintura. Atuou na região de Piranga e fez trabalhos na Matriz de São Bartolomeu, o que mostra concomitância de suas ocupações. Tão exímio pintor se tornou que, sendo reconhecido em vida pelos seus, chegou a solicitar permissão para abrir uma escola de pintura em Mariana para ministrar “Aula de Desenho de Arquitetura Civil e Militar e da Arte da Pintura”. Sua fama, contudo, não deve ter perpetrado as fronteiras mineiras, não chegando à Corte Carioca: seu pedido infelizmente foi negado. Antes desta frustrante resposta, entretanto, já havia recebido em 1818, do Senado da Câmara de Mariana, um atestado de professor das “Artes de Arquitetura e Pintura”.

Não se sabe como ocorreu sua formação e introdução no mundo da produção artística mineira. O certo é que, alem de pintor, era dourador e encarnava imagens. Começou a atuar no período das criações de influência rococó e, como todos seus contemporâneos, seguiu modelos segundo fontes européias. Uma marca registrada em suas obras era a representação de anjos mulatos e sua predileção por temas musicais. Nas pinturas de Ataíde encontramos várias partituras musicais, anjinhos músicos, orquestras celestes etc. Mesmo considerando que este tipo de representação musical encontre antecedentes na Europa, isto é muito mais interessante na obra de Ataíde, posto que o mesmo possuía instrumentos musicais (como vemos em seu inventário post mortem). Em vista disso, é muito provável que nosso artista fosse realmente um músico.

O grande pintor marianense atuou em Ouro Preto (fartamente), Piranga, Itaverava, São Bartolomeu, Conceição do Mato Dentro, Santa Bárbara, Ouro Branco, Catas Altas (do Mato Dentro), Congonhas, entre outras. Na sua cidade natal executou uma obra de vulto: o forro da capela-mor da Igreja do Rosário dos Pretos. Na sacristia da igreja em que está sepultado (São Francisco) concebeu os painéis de forro. Atuou também, em serviços diversos, na Igreja do Carmo, na Sé, em outros pormenores da São Francisco e na Câmara (nesta última executou um retrato de Dom Pedro I).

Ataíde faleceu em 2 de fevereiro de 1830 e foi sepultado na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Mariana, da qual era irmão. Segundo seu testamento era também irmão das Ordens Terceiras do Carmo e de São Francisco de Assis de Ouro Preto e de várias outras irmandades, o que bem atesta sua religiosidade - religiosidade esta que transparece em todas suas obras.

Alex Bohrer
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Honório Esteves

Pouca gente sabe, mas um dos maiores artistas mineiros do século XIX, Honório Esteves, nasceu em Santo Antônio do Leite, por volta de 1860. Conta-se que desde cedo manifestou seu gosto pela pintura, executando pequenos trabalhos e expondo-os em Ouro Preto. Em 1871 já estudava desenho com o professor Chenoti. No mesmo ano torna-se moedor de tintas do pintor ouropretano Cardoso Resende. Em 1873 continuou seus estudos no Liceu Mineiro. Em 1875 aperfeiçoou seu desenho com o professor Bernardino de Brito.

Em 1880, com apenas 20 anos, fez retoques no forro da capela-mor da Matriz de N. Sra. de Nazaré de Cachoeira do Campo, serviço primoroso que certamente lhe deu projeção e fama. Conta certa lenda que D. Pedro II, impressionado com a perícia do jovem pintor, concedeu-lhe bolsa de estudos no Rio de Janeiro, para onde rumou, consagrando-se como exímio artista. De retorno à sua terra, Santo Antônio do Leite, executou excelentes pinturas de forro na Igreja de Santo Antônio. Em Cachoeira, além da Matriz, há obras suas no Colégio D.Bosco e na Escola Estadual Pe. Afonso de Lemos. Na diretoria desta última está o belo quadro, de 1883, retratando o Pe. Afonso. Na parte inferior da pintura, a assinatura caprichosa de Honório Esteves.

Ainda há muito que se estudar sobre este grande artista. No começo da década de 80 foi organizada a exposição “Eu, Honório Esteves” no Museu Mineiro. A nossa população, porém, especialmente a de Santo Antônio do Leite, parece desconhecer este filho ilustre, que tantas obras de arte legou ao Brasil.

Alex Bohrer
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A Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho

A Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho possui uma história envolta em lendas e em parte obscura. Não foram até hoje encontradas datas referentes à sua construção propriamente dita. O famoso historiador Augusto de Lima Júnior acreditava que a referida capela foi o local da sagração de Manuel Nunes Viana como o primeiro governador das Minas durante a Guerra dos Emboabas, em 1708. Argumentava Augusto de Lima que a Capela do Bom Despacho servia naquela época como matriz, enquanto a rica Igreja de Nazaré estava sendo construída na parte alta de Cachoeira. A localização da capela na parte mais baixa, próxima ao Rio Maracujá, também pode denotar sua grande antigüidade por ser, no começo do século XVIII, o local mais cômodo a se construir. O certo é que sua arquitetura externa mostra ser uma construção de meados do século XVIII. Os sinos possuem as datas de 1855 e 1866, sendo comum os sinos serem mais novos que o restante da igreja.

Dão acesso à capela uma velha escadaria de pedra e uma larga porta encimada por duas sacadas com lindo gradil de ferro batido. O frontispício é alto, porém, simples, típico das capelas do gênero, e é encimado por uma cruz de ferro sobre o crescente. Em uma das laterais há uma sacristia com telhado de duas águas que, pelo estilo, é uma ampliação do final do século XIX ou início do século XX, o que faz supor que a capela sofreu uma grande restauração ou reconstrução. Esta restauração provavelmente confundiu Lúcio Fernandes Ramos que em seu livro sobre a História de Cachoeira erroneamente atribui a data de 1908 à construção da capela. Interiormente possui três altares de madeira lindamente pintados com anjos e ornatos diversos. Estes altares são de difícil classificação e datação por não se enquadrarem em nenhum estilo puro. Possui entre outras raridades, uma curiosa imagem se São Pedro, um púlpito móvel e ainda um interessante missário do século XIX. A velhíssima imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho - padroeira das parturientes - relatada por Augusto de Lima não mais se encontra no altar-mor.

Estranha o visitante moderno o fato da capela possuir duas sacadas no frontispício e interiormente não possuir coro, o que faz as sacadas parecerem inúteis. O fato é que até há alguns anos atrás existia um primitivo coro de madeira que ruiu. Ao que parece, devia ser em tudo semelhante ao ainda existente na capela de N.Sra. das Dores. Seria interessante reconstruir o coro e reutilizar as sacadas.

Há ainda a lenda de que a capela que aparece ao fundo do famoso quadro de Antônio Parreiras (século XIX) sobre o julgamento de Filipe dos Santos seja a Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho. Verdade ou não, a semelhança é grande.

Enfim, a Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho é uma relíquia da História de Cachoeira do Campo que precisa ser restaurada e conservada.

Alex Bohrer
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domingo, 4 de abril de 2010

O TREM QUE ATRAVESSOU A RUA

Esta história é para os que não duvidam, ou melhor, é para os que duvidam. Aconteceu no tempo em que era preciso fechar as gretas das janelas com cobertor para assombração não passar. Aconteceu em Rodrigo Silva, terra dos tufos de alecrim, dos campos de gabiroba e dos morangos que dão na beira da linha.

Aconteceu naquele tempo com um tal de Benedito Maquinista: Benedito de pai, maquinista de profissão, incrédulo por convicção. Assim como São Tomé, tinha de ver para crer. E des’jeito ele ia indo todos os dias, cavalgando o gigante de ferro, feroz espirrador de fumaça...

Caso de assombração:

_Neca, não existe tal coisa!

Caso de benzição:

_Uai?! E pra que existe o tal do médico dotôr?

Caso de milagre:

_Vixe! Aí é que não existe mesmo, sô!

E todo dia desafiava um e outro que, de carona na Maria-Fumaça, lhe contava um caso de fé. Nem na Igreja de Santo Antônio ele nunca tinha ido quando pernoitava em Rodrigo Silva. Ele não era homem disso, não senhor! Era homem esclarecido, da cidade grande. Se não conhecia o mundo todo, ao menos uns 74% ele devia de ter conhecido da janela da imponente locomotiva. E quando o ziguezaguear da estrada lhe descortinava a pequena Rodrigo Silva ele espetava com o indicador a aba do seu surrado boné de maquinista e dizia:

_Ih, a terra dos que acredita em tudo! Nove vez nove oitenta e um, no tempo dos bobo cê era um!

Vai que daí um tempo o Benedito deu pra duvidar até de Deus! Cruz-credo! Se autoproclamou ateu, e, como tal, passou a debater com os capiaus que lhe pegavam uma carona. Um dia, quase chegando em Rodrigo Silva:

_Num fala isso não seu Benedito, Deus castiga.

_Que castiga que nada. Deus não existe seu bobo!

_Ele tá escutando seu Benedito.

_Que tá nada. Se Deus existe ele que faça essa máquina sair dos trilhos, andar na rua e subir na linha de novo!

Dito e feito! Depois do cemitério a locomotiva descarrilou e foi pro meio da rua. Gritaria geral. Bateu em algum lugar? Que nada, continuou levantando poeira da rua, andando com se tivesse trilho no chão. Subiu a rua principal para espanto de todos. Passou pelo coreto e pela Igreja de Santo Antônio. Subiu a Rua do Cruzeiro. Na encruzilhada pro Vasconcelos subiu nos trilhos de novo, do jeitinho do pedido.

Suando frio, Bené ouviu do capiau:

_Deus existe...

_ E é maquinista!

E engoliu em seco.

Alex Bohrer
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Eu...

Sou parte de mim mesmo,
parte de tudo,
parte das partes,
tudo partido e juntado
na amplitude do meu ser.

Alex Bohrer
04/04/2010
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O Chafariz de Dom Rodrigo de Menezes

Após o esmagamento da Revolta de Filipe dos Santos, em 1720, o Conde de Assumar propôs que se construíssem em Cachoeira um quartel e um palácio para os governadores de Minas, tendo em vista o ponto estratégico que Cachoeira era por excelência. O quartel seria construído já em 1720 e reconstruído em 1779. O Palácio dos Governadores foi construído em 1730 e ampliado em 1782 pelo governador Dom Rodrigo José de Menezes.

Em Cachoeira ainda pode-se visitar estas construções famosas, como o antigo quartel (hoje Centro Dom Bosco) e as ruínas do Palácio. Nestas ruínas se vêem as imensas muralhas do Lago do Governador (que foi considerado uma das principais obras de engenharia da época). O imenso lago podia armazenar 25 milhões de litros d’água! Possuía até mesmo, singrando suas águas calmas, uma pequena embarcação à vela de 7 metros de comprimento!

Pouco distante do lago - e ainda em uso - está a famosa Ponte do Palácio, construída no século XVIII para dar acesso ao Palácio. Possui 30 metros de comprimento e é toda feita de pedra. Esta ponte antecedia o portão de entrada do palácio e dava início aos caminhos que, de Cachoeira, demandavam à Vila Rica.

Em 1782 o mesmo governador - Dom Rodrigo de Menezes - mandou abrir uma nova e excelente estrada ligando o Palácio da Cachoeira ao de Ouro Preto. Esta estrada substituiu uma mais antiga, construída no cimo da serra, sendo, a partir da sua inauguração, usada como atalho - grande parte do caminho se faz em curva de nível, tornando-o menos árido, sinuoso e cansativo, especialmente entre José Henriques e a Pedra de Amolar .

Uma fantástica obra de engenharia colonial, a estrada de Dom Rodrigo oferece um passeio único pela imponente serra, outrora chamada Serra da Cachoeira (hoje mais comumente conhecida como Serra de Ouro Preto).

Para matar a sede dos viajantes, Dom Rodrigo mandou erguer um belo chafariz, onde ainda hoje se lê:

ESTA FONTE E ESTE CA[MINHO]
MANDOU FAZER O ILL[USTRÍSSIMO] E EX[ENLENTÍSSIMO] S[ENHOR]
D.RODRIGO JOSÉ DE MENEZES
G[OVERNADOR] E CAP[ITÃO] GEN[ERAL]
DESTA CAP[ITANIA] DE M[INAS] G[ERAIS]
EM 1782.

Este chafariz é o mesmo que matou a sede de Dom Pedro II no dia quatro de abril em 1881, quando seguia de Ouro Preto para Cachoeira do Campo e do qual ele deixa registro de próprio punho. Sem dúvida que também saciou a sede dos Inconfidentes de 1789, que usavam esta estrada, então recém construída, cotidianamente.

Tanto o chafariz quanto a nova e bela estrada, são frutos do empreendedorismo de Dom Rodrigo José de Meneses, governador dos mais atuantes do período colonial, dotado de bom senso e verdadeiro tino administrativo. Assim como este Caminho da Cachoeira, construiu outros mais, com fontes, pontes e inscrições. O Chafariz de Dom Rodrigo, contudo, continua sendo o mais conservado dos monumentos erguidos em lembrança ao velho governador.

Alex Bohrer
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Era Uma Vez Batalha...

O tempo tinha amanhecido ruim naquele dia. Morros cobertos de neblina. Chuva fina. Alberto, pontual, 5 horas da matina já de pé. Escorado no fogão a lenha, tomava o café ralo, deixando a fumaça entrar no nariz. No canto, sentada, olhinhos negros, esfomeados, esmolando um pedaço de broa do Alberto, está Batalha. Cachorra bonita era aquela, grande, pêlo amarelo, sem peste. Bonita e leal. Todos os dias acompanhava Alberto no seu serviço de tapar buracos nas estradas; poeirentas na seca, barrentas nas chuvas, como agora.

_Vam’bora, Batalha!

Atirou pedaço de broa sobrada, pegou o embornal e partiu. Atrás dele, de estômago forrado, Batalha. Manhã passou sem novidades. Almoço repartido com Batalha, sempre. Tarde miserável, com chuva na cacunda, e lenta. “Êta tempo que não passa”. Serviço chato esse de ficar rodando estrada afora. Vez por outra passa um caminhão Ford, lá pros lados da Cerâmica. Mas nestas estradas de terra, deste mundão de Nosso Senhor Santo Antônio de Rodrigo Silva, passa mesmo é cavalo e cavaleiro. Passam, olhando o Alberto e a cachorrinha, e saúdam:

_Bão dia, seu Aliberto. E ocê Batáia?

_Bão dia - era a resposta. Alberto nunca foi homem de muitas palavras.

Ufa! Hora de “imbora”. Batalha na frente latindo e rodopiando. Em casa tinha sua caminha quente e o colo de dona Tote, sua dona. Mas, eis que chuvão de vento e raio pegou os dois lá no Alto da Serra. Não dava pra ver nada. Os postes de luz que vinham do Bico-de-Pedra balançavam o madeiro quase podre. E no meio da chuviscada Batalha não arredava o pé de Alberto. Era sua sina, desde que nascera, protegê-lo. A ele, ela era eternamente grata. Sua benzição tinha livrado ela várias vezes de bater biela. “Olha, invem poste descendo”. Alberto tava na mira do poste que em vinha caindo, mas não viu, tava de costas. Batalha latiu, rugiu, puxou sua calça, empurrou-lhe, até afastar o gigante desengonçado. O poste caiu pesado, de raspão. Êta poste de luz! Êta poste da vida...

Na hora da janta Tote perguntou ao meu avô, estranhada:

_Uai, Alberto! Cadê Batalha?

Lágrima pingando no prato, Alberto respondeu:

_Um poste caiu na Batalha. Batalha salvou minha vida. Morreu em meu lugar...

Minha avó sempre dizia: “Vai Batalha, dorme tranqüila, na sua sepulturinha, no Alto da Serra de Rodrigo Silva”.

E era uma vez Batalha, cachorra boa, batalhadora, como nunca, jamais, houve outra no mundo.

Alex Bohrer
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BREVE HISTÓRIA DO TEATRO OUROPRETANO

Vem de longa data o gosto lusitano pelo teatro. Nas Minas Gerais, os mais antigos registros sobre atividades lúdicas datam de 1726, quando, em Vila Rica, se apresentaram comédias por ocasião do casamento dos príncipes portugueses. Em 1733, nos pomposos festejos do Triunfo Eucarístico, foi montado um tablado junto à nova Matriz do Pilar para encenação de três peças de Calderón de la Barca. Contudo, estes dois exemplos (como tantos outros), não passaram de acontecimentos esporádicos, organizados sobre armações efêmeras, improvisadas. Afonso Ávila supõe que entre 1737 e 1740 existiu uma primitiva casa de espetáculos em Vila Rica - mas dela não restaram vestígios.

A atual Casa da Ópera de Ouro Preto é fruto do empreendedorismo do Contratador dos Reais Quintos e Entradas, o Coronel João de Sousa Lobo, sob os auspícios de quem foi inaugurada a 6 de junho de 1770, aniversário de Dom José I, El Rei. Foram entusiásticos apoiadores do projeto o poeta Cláudio Manuel da Costa e o governador - Conde de Valadares - para quem Cláudio dedicou um drama musicado: o Parnaso Obsequioso. Escolheu-se como local da edificação terreno íngreme que, ao feitio de anfiteatro natural, bem à moda dos gregos, serviu para instalação do palco e camarotes. Este fato proporcionou, essencialmente, a aparência que sua fachada conserva até hoje: pavimento único, com frontão triangular simples, de dimensões mirradas perto da sua vizinha Igreja do Carmo.

Há uma interessante relação de contribuintes/assinantes datada de 1772, onde se registram nomes de vulto, pessoas de altas patentes militares, magistrados, intendentes e letrados (entre os quais, o mesmo Cláudio Manoel da Costa). Entre 1772 e 1775, Sousa Lobo dedicou incansável serviço ao seu teatro, agenciando vários atores em Sabará e no Tejuco, encomendando peças em Lisboa e mandando compor outras. Homem de visão, se jactou certa vez por ter inserido na sua Casa da Ópera atrizes, em vez dos travestis, que, via de regra, representavam papéis femininos. Depois da morte de seu fundador, em 1778, o teatro vilarriquenho passou por períodos turbulentos, alternando momentos de glória e malogro.

Somente pela segunda década do século XIX a Casa da Ópera recuperaria seu fausto inicial, conforme se depreende das várias verbas repassadas pelo Poder Público. Por esta época, pelo menos uma peça era encenada por semana, sendo assistida, então, por alguns ilustres viajantes estrangeiros (como Saint-Hilaire, Luccock, Freyress, Mawe, Johann Pohl, Spix e Martius etc). Durante o século XIX o hábito de assistir encenações lúdicas tomou força entre os ouropretanos, tanto que a Lei n° 668, de 18 de maio de 1854, previu a construção de outro teatro, em lugar mais condigno. Como a obra exigia grandes despesas, o governo provincial decidiu-se por subsidiar a Sociedade Dramática local - que havia tomado para si a árdua tarefa de reformar a já quase centenária Casa da Ópera. A obra, concluída no ano de 1862, alterou bastante a estrutura física do teatro (data desta época, por exemplo, as colunas de ferro que servem de sustentáculo aos camarotes).

Poucos anos antes da mudança da capital, ainda se ventilaria a idéia de se construir um novo e espaçoso teatro, idéia, todavia, que nunca se concluiu, e que, por isso, conservou para a posteridade o velho teatro ouropretano, tido como o mais antigo do gênero existente na América do Sul.

Alex Bohrer
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sábado, 3 de abril de 2010

TRÊS SÉCULOS ANTES

Corria o ano de Nosso Senhor de 1675. As levas de aventureiros chegavam aos montões, vindas pelo Velhas, desde Sabará até os campos abertos. Milhares de homens brancos, negros e índios salpicavam o cerrado. Era uma massa colorida, de semblantes e linguajar variados, todos unidos no sonho do eldorado.

A Bandeira contornou o Rio Maracujá, com suas belas quedas que despencavam em direção ao Tijuco, e seguiu adiante. No alforje do líder uma bússola de marfim, pólvora e mapas amarelados conviviam com o cheiro forte do coro molhado. A noite passou sem sobressaltos. Pela manhã, fincou-se cruz à margem do ribeiro. Missa improvisada pelo cansado frade da expedição. As brumas matutinas se dissiparam. À frente de todos estava a aprazível colina.

_Não, cá no baixo não! Que levantemos nossa ermida no alto, perto de Deus!

Foram cortando a mata - que ali, e na montanha vizinha, era espessa - e subiram. No cume, uma acanhada planície os esperava. Era o lugar ideal para a capelinha. Erigiram-na de madeira, barro e suor. No teto, sapê. No altar singelo, entronizaram a relíquia do grupo: a pequenina imagem de Nossa Senhora de Nazaré, vinda desde São Paulo, em sua casinha dourada. Novamente, missa. Mas, dessa vez, missa descansada. Haviam encontrado lugar e paragem.

Ouro? No Sabarabuçu, agora distante deles dezenas de léguas, o chão cuspia o metal amarelado aos borbotões. Mas, aqui, na terra vermelha, não sabiam. Iam é plantar - e roça de milho devastou o pé da serra. Ali haveriam de estar, pelo menos por enquanto. Os paulistas eram seres irrequietos, transeuntes das matas. Viviam de déu em déu.

Passados alguns anos, ouro! Ouro no Santo Antônio da Casa Branca, no Arraial do Apóstolo São Bartolomeu, nas fraldas da Serra do Ouro Preto, no Ribeirão do Carmo, nas lavras de Antônio Pereira. A região foi novamente invadida por gente de toda parte: Portugal mandou seus filhos do norte, do Douro e Minho; da África vieram os escravos congos, benguelas e os minas; hábeis artífices franceses e livreiros de Flandres foram arrastados neste turbilhão; Chineses do Macau, dos confins de tudo, vinham de mil léguas; Espanhóis clandestinos traziam prata das minas americanas de Potosí e do Peru.

O pequeno arraial, com sua capelinha, conviveria, a partir de agora, com esses forasteiros, apelidados de Emboabas, portugueses em sua maioria. Brigas com eles haveriam de vir. Escaramuças, a Guerra e, por fim, a grande expulsão dos primeiros paulistas. Foram portugueses que, em 1710, há 300 anos, bendizeram o começo da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré dos Campos da Cachoeira. Em torno da primitiva ermida começaram a erguer sua majestosa Igreja Matriz. Dos antigos exploradores, chegados no último quartel dos anos 1600, respeitaram a escolha da padroeira - Senhora de Nazaré - e o velho topônimo, dado pelas cascatas ruidosas da região e pelo cerrado: Cachoeira do Campo.

Alex Bohrer
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