Era um homem
baixinho, narigudo, risonho. Seu nome era Antônio, mas o chamavam só de Nico. Trabalhava
na Central do Brasil, fiscalizando a estrada de ferro nas proximidades de
Rodrigo Silva. Ele ia todos os dias verificar a “linha” desde o 19 até o 22 (a
quilometragem dada pelos primeiros ferroviários foi adotada pelo povo de
Rodrigo Silva que batizou com números o nome de vários lugares. Assim temos a
quarta, o 19, o 22, etc).
Ele era, além
disso, um homem teimoso. Uma temusura só. De vez em quando cismava de ir
verificar os trilhos e os dormentes lá pelos lados do 22, altas horas da noite.
Ia sob os protestos da sua mãe, dona Tiló:
__ Não fica
andando de noite menino! Essa linha tá cheia de assombração!
Um encolher de
ombros era a resposta. Ele ia sim! E de noite! Era um homem de
responsabilidades. O trem das dez e meia tinha de passar sem risco. Qualquer
imprevisto ia ser culpa dele.
Então, num
desses dias de lua cheia, lá foi Nico, cantarolando e assobiando, pro 22. Deixou
Rodrigo Silva pra traz e entrou na “linha”. Foi brincando de contar os
dormentes, para não pensar nas palavras de sua mãe. Passou assim pelo
Vasconcelos, com suas casinhas tristes. Viu de lá a grande cruz do Morro da
Guerra, banhada pela luz da lua cheia. “Muita gente morreu ali, na guerra”
pensou. E mais que depressa fez um Em
Nome do Pai e apertou o passo. Era uma noite fria, daquelas que a ventania
fica assobiando nos morros. Um assobio assustador. Era quase um uivo. Mais um Em Nome do Pai...
Ali perto
tinha um grande pé-de-beijo. Diziam os antigos que ele era amaldiçoado. Mas ninguém
sabia explicar por quê. Na verdade era uma bela árvore, mas naquele dia alguma
coisa tava errado com ela. Alguma coisa tava balançando seus galhos e tava
fazendo um grunhido muito esquisito. “Deve ser algum desocupado me fazendo
medo, vou ver o que é”. Aproximou-se. Viu uma coisa enorme deitada. Pensou que
fosse uma vaca doente. Encostou a mão nela, só para ajudar. O que era levantou
a cabeça e...espanto! Subiu-lhe um calafrio no pescoço. Levou a mão na boca e
se afastou de costas até tropeçar no trilho. Era um monstro, um monstro
horrível. Era um lobisomem!
Os lobisomens
de Rodrigo Silva eram diferentes dos outros. Não pareciam lobo. Pareciam porco!
E este era grande, muito grande. Esbugalhava uns olhos redondos, cor de brasa.
Soltava fumaça nas narinas. Nico olhou para suas patas e confirmou. Não era
porco mesmo. “Era um lobisomo do
outro mundo”. As patas destes seres têm um finco em baixo do casco. Por isso
suas pegadas tem um furo no meio. Tentou correr, mas o monstro prendeu sua
camisa com os dentes. E começou-lhe a pisar, levantando poeira e soltando uns
berros horríveis. Nico tentava se defender, mas era impossível. Tampou os olhos
com as mãos e rezou. Aí então houve silêncio. Levantou-se aos poucos. Não tinha
mais nada. O pé-de-beijo estava calmo. Só uma brisa farfalhava suas flores.
Nico saiu correndo. Pernas bambas. Ofegante. Chegou em casa com as roupas aos
trapos.
No outro dia tava
todo mundo falando do tal do monstro do pé-de-beijo. Os mais velhos não tinham
dúvida. O monstro era um rapaz que há muitos anos morrera apaixonado por uma
bela moça que pretendia desposar. O pai dela não permitiu o casório. E desde
então ficava ali, por algum encanto do outro mundo, uivando com a lua cheia. Chorava
sua amada na forma de um horrível monstro. Sempre no pé-de-beijo. As flores
preferidas de sua amada.
Alex Bohrer
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