quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O CAVALEIRO DE VASCONCELOS

Era uma sexta-feira de quaresma. João fez o que fazia sempre. Saiu da casa da namorada altas horas da noite. Esfregou as mãos. Esfregou as mãos no nariz. Cuspiu. Montou seu velho cavalo. Cumprido o ritual, acenou pra namorada e partiu. Sua namorada morava em Rodrigo Silva. Ele não. João morava no Vasconcelos, uma paragem distante uns dois quilômetros dali. Seu cavalo já conhecia o caminho e, se já conhecia, João podia se distrair, pensar pensamentos bobos. Então lá foi ele pensando pensamentos bobos. Todo mundo ali falava do tal do cavaleiro misterioso que rondava as estradas na quaresma, mas isso é coisa de bobo:

__Ah, isso é conversa pra boi dormir!

Ele tinha retrucado sua sogra, sim senhor!

__Vê-se lá, cavaleiro! Assombração é coisa de bobo!

É, mas a coragem de João durou até o momento em que ele viu aquele cavalo preto na encruzilhada, na saída do povoado. O cavalo ainda ia lá, mas o cavaleiro... Era um toco de homem, usava uma capa comprida, preta. João parou. O cavaleiro estava na sua passagem. Existiam dois caminhos para se chegar em casa: um pela estrada de terra (que era seu preferido), outro pela linha, a estrada de ferro. Raspou a goela e tomou rumo. Acima da estrada, seguiu pela linha. Acelerou o trote. A ventania das montanhas cortou seu rosto, levando sua coragem.

Da estrada de ferro era possível ver a estrada de terra lá embaixo. Com muito medo, João olhou. Aquele cavaleiro o estava seguindo lá de baixo. Corria com seu imponente cavalo negro, cheio de enfeites. A sua capa ondulava com o vento. Mas seu rosto era mistério. João correu como um louco, o coração na boca. Para chegar à sua casa tinha de sair da estrada de ferro e atravessar a estrada de terra mais uma vez. Isto significava que ia dar de cara com o cavaleiro de novo. Aproximou devagar da encruzilhada. Olhou de um lado e do outro. Nada. Silêncio. Pôs a mão em concha no ouvido. Nem sinal de galope. Meteu as esporas no cavalo e atravessou a estrada. Abriu a porteira, já gritando sua mãe. Desceu de qualquer jeito do cavalo. Suas pernas estavam pesadas de medo. Abriu a porta. Quando, já dentro de casa, virou-se para fechar a tramela, ele quase caiu pra trás. A cabeça negra do cavalo misterioso estava impedindo que ele puxasse o trinco! E depois apareceu o braço do cavaleiro, com uma longa luva, também negra. João rezou, não ia conseguir fechar a porta. Falou o nome de tantos santos quanto pôde, de todos que se lembrava, até do esquecido São Pedro de "Catigerona", lá da capelinha de Rodrigo Silva. E, de repente, fez-se silêncio. A porta estava livre. Tudo estava calmo. Sua mãe apareceu e fechou a porta, perguntando o porquê da gritaria.

Conta-se que João dormiu vários dias debaixo da cama, com medo. Nunca mais namorou e nem saiu do Vasconcelos de noite. Depois contaram pra ele que o Cavaleiro de Vasconcelos era a alma penada de um homem que havia morrido por ali há muitos anos, numa guerra. Desde então patrulhava as noites de quaresma, em busca de intrusos na guerra que, para ele, nunca acabou. Até hoje, dizem os mais velhos, quando todo mundo já está dormindo, pode-se ouvir o trotear do seu cavalo a atravessar a rua, indo pro Vasconcelos, ocupar seu posto eterno.


Alex Bohrer
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