domingo, 4 de abril de 2010

Era Uma Vez Batalha...

O tempo tinha amanhecido ruim naquele dia. Morros cobertos de neblina. Chuva fina. Alberto, pontual, 5 horas da matina já de pé. Escorado no fogão a lenha, tomava o café ralo, deixando a fumaça entrar no nariz. No canto, sentada, olhinhos negros, esfomeados, esmolando um pedaço de broa do Alberto, está Batalha. Cachorra bonita era aquela, grande, pêlo amarelo, sem peste. Bonita e leal. Todos os dias acompanhava Alberto no seu serviço de tapar buracos nas estradas; poeirentas na seca, barrentas nas chuvas, como agora.

_Vam’bora, Batalha!

Atirou pedaço de broa sobrada, pegou o embornal e partiu. Atrás dele, de estômago forrado, Batalha. Manhã passou sem novidades. Almoço repartido com Batalha, sempre. Tarde miserável, com chuva na cacunda, e lenta. “Êta tempo que não passa”. Serviço chato esse de ficar rodando estrada afora. Vez por outra passa um caminhão Ford, lá pros lados da Cerâmica. Mas nestas estradas de terra, deste mundão de Nosso Senhor Santo Antônio de Rodrigo Silva, passa mesmo é cavalo e cavaleiro. Passam, olhando o Alberto e a cachorrinha, e saúdam:

_Bão dia, seu Aliberto. E ocê Batáia?

_Bão dia - era a resposta. Alberto nunca foi homem de muitas palavras.

Ufa! Hora de “imbora”. Batalha na frente latindo e rodopiando. Em casa tinha sua caminha quente e o colo de dona Tote, sua dona. Mas, eis que chuvão de vento e raio pegou os dois lá no Alto da Serra. Não dava pra ver nada. Os postes de luz que vinham do Bico-de-Pedra balançavam o madeiro quase podre. E no meio da chuviscada Batalha não arredava o pé de Alberto. Era sua sina, desde que nascera, protegê-lo. A ele, ela era eternamente grata. Sua benzição tinha livrado ela várias vezes de bater biela. “Olha, invem poste descendo”. Alberto tava na mira do poste que em vinha caindo, mas não viu, tava de costas. Batalha latiu, rugiu, puxou sua calça, empurrou-lhe, até afastar o gigante desengonçado. O poste caiu pesado, de raspão. Êta poste de luz! Êta poste da vida...

Na hora da janta Tote perguntou ao meu avô, estranhada:

_Uai, Alberto! Cadê Batalha?

Lágrima pingando no prato, Alberto respondeu:

_Um poste caiu na Batalha. Batalha salvou minha vida. Morreu em meu lugar...

Minha avó sempre dizia: “Vai Batalha, dorme tranqüila, na sua sepulturinha, no Alto da Serra de Rodrigo Silva”.

E era uma vez Batalha, cachorra boa, batalhadora, como nunca, jamais, houve outra no mundo.

Alex Bohrer
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