Esta história é para os que não duvidam, ou melhor, é para os que duvidam. Aconteceu no tempo em que era preciso fechar as gretas das janelas com cobertor para assombração não passar. Aconteceu em Rodrigo Silva, terra dos tufos de alecrim, dos campos de gabiroba e dos morangos que dão na beira da linha.
Aconteceu naquele tempo com um tal de Benedito Maquinista: Benedito de pai, maquinista de profissão, incrédulo por convicção. Assim como São Tomé, tinha de ver para crer. E des’jeito ele ia indo todos os dias, cavalgando o gigante de ferro, feroz espirrador de fumaça...
Caso de assombração:
_Neca, não existe tal coisa!
Caso de benzição:
_Uai?! E pra que existe o tal do médico dotôr?
Caso de milagre:
_Vixe! Aí é que não existe mesmo, sô!
E todo dia desafiava um e outro que, de carona na Maria-Fumaça, lhe contava um caso de fé. Nem na Igreja de Santo Antônio ele nunca tinha ido quando pernoitava em Rodrigo Silva. Ele não era homem disso, não senhor! Era homem esclarecido, da cidade grande. Se não conhecia o mundo todo, ao menos uns 74% ele devia de ter conhecido da janela da imponente locomotiva. E quando o ziguezaguear da estrada lhe descortinava a pequena Rodrigo Silva ele espetava com o indicador a aba do seu surrado boné de maquinista e dizia:
_Ih, a terra dos que acredita em tudo! Nove vez nove oitenta e um, no tempo dos bobo cê era um!
Vai que daí um tempo o Benedito deu pra duvidar até de Deus! Cruz-credo! Se autoproclamou ateu, e, como tal, passou a debater com os capiaus que lhe pegavam uma carona. Um dia, quase chegando em Rodrigo Silva:
_Num fala isso não seu Benedito, Deus castiga.
_Que castiga que nada. Deus não existe seu bobo!
_Ele tá escutando seu Benedito.
_Que tá nada. Se Deus existe ele que faça essa máquina sair dos trilhos, andar na rua e subir na linha de novo!
Dito e feito! Depois do cemitério a locomotiva descarrilou e foi pro meio da rua. Gritaria geral. Bateu em algum lugar? Que nada, continuou levantando poeira da rua, andando com se tivesse trilho no chão. Subiu a rua principal para espanto de todos. Passou pelo coreto e pela Igreja de Santo Antônio. Subiu a Rua do Cruzeiro. Na encruzilhada pro Vasconcelos subiu nos trilhos de novo, do jeitinho do pedido.
Suando frio, Bené ouviu do capiau:
_Deus existe...
_ E é maquinista!
E engoliu em seco.
Alex Bohrer
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