sábado, 3 de abril de 2010

TRÊS SÉCULOS ANTES

Corria o ano de Nosso Senhor de 1675. As levas de aventureiros chegavam aos montões, vindas pelo Velhas, desde Sabará até os campos abertos. Milhares de homens brancos, negros e índios salpicavam o cerrado. Era uma massa colorida, de semblantes e linguajar variados, todos unidos no sonho do eldorado.

A Bandeira contornou o Rio Maracujá, com suas belas quedas que despencavam em direção ao Tijuco, e seguiu adiante. No alforje do líder uma bússola de marfim, pólvora e mapas amarelados conviviam com o cheiro forte do coro molhado. A noite passou sem sobressaltos. Pela manhã, fincou-se cruz à margem do ribeiro. Missa improvisada pelo cansado frade da expedição. As brumas matutinas se dissiparam. À frente de todos estava a aprazível colina.

_Não, cá no baixo não! Que levantemos nossa ermida no alto, perto de Deus!

Foram cortando a mata - que ali, e na montanha vizinha, era espessa - e subiram. No cume, uma acanhada planície os esperava. Era o lugar ideal para a capelinha. Erigiram-na de madeira, barro e suor. No teto, sapê. No altar singelo, entronizaram a relíquia do grupo: a pequenina imagem de Nossa Senhora de Nazaré, vinda desde São Paulo, em sua casinha dourada. Novamente, missa. Mas, dessa vez, missa descansada. Haviam encontrado lugar e paragem.

Ouro? No Sabarabuçu, agora distante deles dezenas de léguas, o chão cuspia o metal amarelado aos borbotões. Mas, aqui, na terra vermelha, não sabiam. Iam é plantar - e roça de milho devastou o pé da serra. Ali haveriam de estar, pelo menos por enquanto. Os paulistas eram seres irrequietos, transeuntes das matas. Viviam de déu em déu.

Passados alguns anos, ouro! Ouro no Santo Antônio da Casa Branca, no Arraial do Apóstolo São Bartolomeu, nas fraldas da Serra do Ouro Preto, no Ribeirão do Carmo, nas lavras de Antônio Pereira. A região foi novamente invadida por gente de toda parte: Portugal mandou seus filhos do norte, do Douro e Minho; da África vieram os escravos congos, benguelas e os minas; hábeis artífices franceses e livreiros de Flandres foram arrastados neste turbilhão; Chineses do Macau, dos confins de tudo, vinham de mil léguas; Espanhóis clandestinos traziam prata das minas americanas de Potosí e do Peru.

O pequeno arraial, com sua capelinha, conviveria, a partir de agora, com esses forasteiros, apelidados de Emboabas, portugueses em sua maioria. Brigas com eles haveriam de vir. Escaramuças, a Guerra e, por fim, a grande expulsão dos primeiros paulistas. Foram portugueses que, em 1710, há 300 anos, bendizeram o começo da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré dos Campos da Cachoeira. Em torno da primitiva ermida começaram a erguer sua majestosa Igreja Matriz. Dos antigos exploradores, chegados no último quartel dos anos 1600, respeitaram a escolha da padroeira - Senhora de Nazaré - e o velho topônimo, dado pelas cascatas ruidosas da região e pelo cerrado: Cachoeira do Campo.

Alex Bohrer
------------------------------------------------------